sábado, 2 de janeiro de 2010

Papirus Alenxandrinus - Capítulo I - Parte V

Quando a besta corria pelo campo, cruzando-o como uma flecha sombria, a grama era arrancada do chão tamanha a ferocidade com que a criatura pisava. A figura que no inicio se demonstrava fraca e decadente, agora se mostra uma figura forte e de força descomunal, movida pela ânsia de destruição, qualquer uma que entrar em sua frente poderia ser feito em pedaços. A lua prateada no céu causava a sinfonia dos lobos, mas agora estas criaturas somente corriam, logo atrás de seu mestre, esperando algo providencial do mesmo. Antigas lendas da região diziam que quando em noite de lua cheia os lobos paravam de cantar, alguma tragédia estava sendo anunciada.
As tragédias sempre giravam em torno de chacinas banhadas a muito sangue, os lobos sempre desciam as montanhas para isso, essas noites eram chamadas de noites de carne¹.
Olhando fixamente para o horizonte a criatura vislumbra um terreno montanhoso se aproximando, sua boca se enche de saliva, como não ocorria a alguns séculos e um impiedoso e visceral som sai de sua garganta, não lembrava um uivo, mas algo muito mais terrível, algo que não ecoava por aqueles campos já a muitos anos, provavelmente nenhum dos seres viventes deste século já o tinha ouvido. As criaturas noturnas param tudo o que fazem e deixam somente a besta em movimento, em uma paisagem quase estática, se não fossem os movimentos que o vento causava na relva e nas arvores. Tudo estava em silêncio, tudo pedia por uma terrível festa sangrenta.
O cheiro de comida vinha das rochas, os seres inferiores provavelmente estavam a banquetear. Seria muito fácil essa caçada.
Antes de chegar ao terreno rochoso uma floresta de pinheiros formavam uma espécie de alameda, lhe garantindo uma entrada triunfal na frente de suas presas indefesas, uma gloriosa noite de terror se formava em sua mente, o sabor da carne e do sangue descendo pela garganta lhe fazia quase entrar em um estado de inconsciência.
Sobre um dos pinheiros algo lhe chamou a atenção por alguns segundos, algo que lhe trazia más recordações, algo que foi responsável pela derrota de seu povo em muitas campanhas, algo que merecia muito mais atenção e não podia ser deixado de lado, algo que lhe causava medo, mas que poderia ser seu passaporte para voltar do exílio.
Por alguns segundos a figura sombria parou e observou seu redor, mas não viu nada, a não ser a relva que chegava na altura de sua cintura, ser curvada pelo vento. O estranho era que a relva dançava em sentido oposto ao vento...
Logo após a criatura ter parado e observado seu redor, um enorme clarão, de proporções escatológicas se deu. A criatura não mais existia, nenhuma parte de seu corpo podia ser vista, nenhuma arma nem roupa do mesmo sobrou. Seu fieis escudeiros não o seguiam mais, votaram todos para o centro escuro da floresta.
Ninguém viu, escutou ou tomou conhecimento desta criatura vivendo nestes campos europeus, acreditava-se que tudo não passava de uma lenda ancestral para assustar as crianças mal-educadas.
Inspirados nas tais lendas, muitos escritores começaram, depois de muitos anos, a criarem histórias e a venderem o falso para as pessoas, como uma forma de entretenimento ou como uma forma de controle.
Na realidade todo conto tem uma raiz verdadeira, que muitas vezes se perde nas sombras da história humana e acaba ficando e vivendo escondido, bem perto de nós...
... Que é bem a posição que os personagens dos mesmos desejam ficar.

(1) As Noites de Carne eram as noites em que os líderes dos vilarejos doavam toda a caça de uma semana às criaturas da noite, sendo que junto das mesmas um rei e uma rainha da noite eram ofertados, por exigência das criaturas noturnas. Sempre dois adolescentes saudáveis de sexos opostos, dopados e amarrados em monólitos, deixados vivos para serem levados. Logo após uma semana inteira de festas se seguia, regada a muito vinho e carne seca. Fantasias eram utilizadas, para homenagear o rei e a rainha mortos, além de servir de indicação de rito de passagem para mais um ano sem ataques. Esses rituais são provenientes da época de Rêmulo e Rômulo.

“Muitos jovens foram deixados para morrer amarrados e dopados ou mesmo embriagados com vinho, no dia seguinte nenhuma parte de corpo ou sangue era encontrado, somente as fantasias de Rei e Rainha, deixados para trás, sem sinal de violência... Como se os mesmos aceitassem seu triste destino e escolhessem não lutar por suas vidas.”